quarta-feira, 21 de julho de 2010

Além da janela.

Acordou cedo naquele dia. Aliás, como de costume, tinha passado a noite de olhos abertos, contemplando a grande bola amarela pendurada sobre sua cabeça. Os ecos dos sonhos já começavam a dar lugar aos caminhões, passarinhos e mendigos que, aos poucos, iam lhe contando as horas. Aquele era um dia importante. Olharia pela última vez por aquela janela. Não precisava mais dela. Para que, se já sabia o que iria encontrar? Olhar para ela era enxergar, ao mesmo tempo, um passado distante e um desagradável presente. Como uma criança, imaginou que aquela cena era apenas um frágil quadro de vidro. Uma realidade presa entre dois mundos, o de dentro e o de fora. Lembrou do livro que estava lendo. Faria como o afogado, que visitara mares distantes e profundos, onde os peixes são cegos e os búzios morrem de saudade. Navegaria, quem sabe, num grande transatlântico - como o de Gabriel – até avistar algum lugar 97 vezes maior que o seu povoado. E assim criou coragem para dar a volta e descobrir como é o mundo além da janela. Morto já não estava. Qual criança, já podia começar a viver.