domingo, 18 de abril de 2010

Todas as palavras contra uma.

No banco de trás, o pequeno menino admirava a paisagem borrada através do vidro lateral. Deixou-se fascinar pela beleza das cores, ora vermelhas, ora roxas. Embalado pelo balanço do carro, dormiu. Sonhou. E no seu sonho viu um homem mais velho. Jamais tinha visto aquela barba, aquele cabelo. Mas havia algo nele que lhe era familiar. Como se pode sonhar com a vida de outra pessoa? Foi quando percebeu que sonhava com o próprio futuro. Estava em casa, sozinho, pensando justamente em tudo que tinha se passado na sua vida, desde o dia em que adormecera naquele banco de trás. Suas conquistas, suas paixões, suas manias. Pensou nas coisas que fez e nas que deixou de fazer; e dessas se arrependeu mais ainda. Pensou que se pudesse acordar novamente naquele banco de trás, mudaria sua história. Aquela era a idade de descobrir a importância e o significado das palavras. Evitaria, a todo custo, uma em especial. Uma palavra melindrosa, muitas vezes tomada como suave, mas que revela-se sufocante. Palavrinha tão insuportavelmente sem sentido que, quando proferida, nega a sua própria essência. Como podem apenas 8 letras ser responsáveis por tantos desencontros? Pensou nas vidas que não viveria por causa daquela maldita palavra. Percebeu que as coisas não ditas doíam sempre mais. Decidiu dizer o que houvesse a ser dito. A verdade? Sempre. Um elogio? Agora, por favor. Só a possibilidade de provocar um sorriso em outra pessoa já valeria a pena. Palavras podem ser doações. E ele doaria, deixando a cargo das outras pessoas fazerem com aquilo o que bem entendessem. Um solavanco no carro o trouxe de volta. Olhou para o pai, dirigindo calado. Tinha novamente a vida inteira pela frente. Não, não se renderia àquela palavra. Melhor: usaria todas as outras como armas para acabar com ela.

- Pai, falta muito pra acabar?

- Pra acabar o que, filho?

- O silêncio.

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