sexta-feira, 30 de abril de 2010

Vermelho

Entrou no bar meio sem cor. Pálido, ainda machucado. Trouxe consigo quatro iguais, pois tinha não coragem de encarar aquela vida sozinho. A luz difusa do lugar não permitia identificar os rostos, nem as cores. Mas sempre que piscava, permanecia o flash da sua última visão. O vermelho. Não sabia dizer o porquê daquela fixação com a danada da cor. Talvez porque foi a primeira que viu depois que voltou a abrir os olhos. Se é verdade que vivia diante de um grande caleidoscópio, sempre que olhava pelo pequeno buraco, insistentemente procurava o vermelho. Gastou alguns dias rodando a cidade, fitando os próprios passos verdes, imaginando qual calçada estaria enfeitada de vermelho. Levantou e foi ao banheiro. A luz fluorescente ofuscou seus pensamentos. Lavou o rosto e percebeu que tinha passado tanto tempo distraído que começava ele mesmo a recobrar a cor. Sentou-se à mesa e pediu mais uma. Riu com os amigos, olhou em volta e começou a ver graça no preto, no rosa, nos amarelos pendurados na parede. Por alguns instantes admirou o desfile das cores que iam e vinham entre as mesas. Ficou feliz, afinal não precisaria mais andar olhando para o chão. O vermelho já tinha cumprido o seu papel. Achou por bem não se despedir
(sonhar é manter-se vivo) e saiu apenas dizendo:

_ Obrigado vermelho, a gente se vê por aí. Ladeira acima ou ladeira abaixo.

Um comentário:

  1. Muito lindo. E um vermelho, hein? É forte mesmo. Que seja pelo amor, pelo suposto coração, pelo sangue, pela dor, pelo batom, pelo cinema do almodóvar. Pela saudade e pelo que ele te mostrou, né?
    Viva o vermelho.

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