quinta-feira, 15 de abril de 2010
De prato principal, pediu apenas uma palavra.
O sujeito se alimentava de palavras. Precisava, para viver. Achava beleza em cada uma delas: as delicadas, as grandes, as fortes, as tímidas. Ria-se com palíndromos, adorava as cacofonias, brincava de neologismos. Usava algumas com sabedoria, distribuía outras tantas sem se comprometer a criar estilo ou mesmo fazer sentido. E sempre, sempre guardava aquelas para momentos de escassez. Certo dia, como o menino que perde o interesse pelas suas bolinhas de gude, parou de ver sentido em enfileirar as letras. Enfadou-se tanto que resolveu jogar fora sua coleção e, sem olhar para trás, concentrou-se apenas em imagens. Durante um bom tempo, silêncio e abstração lhe deram uma falsa sensação de felicidade. Numa manhã qualquer, escondido atrás de uma imensa parede de ilusões, vermelhas, percebeu o volumoso dicionário. Olhou desconfiado para o velho amigo - coletivo de possibilidades - e passeou pelas páginas repletas de deja vus. Eram tantas palavras que não conseguia decidir. Sensação corriqueira, típica de quem se depara com um cardápio muito extenso. Já estava quase perdendo novamente o interesse quando, de súbito, uma opção lhe chamou atenção. Não era, nem de longe, a mais bonita, ou a mais pedida. Mesmo assim, ficou horas fitando insaciavelmente aquela suculenta palavra. Só ela despertava seu interesse. Só ela importava, no meio de tantas, inclusive destas. Se houvesse por ali um garçom, com a voz rouca e seu dedo tímido apontando para o menu, pediria aquilo que lhe causara tanta fome: reciprocidade.
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maravilha. sem mais. (bjs, claris)
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